quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Não somos Bandidos, somos Sonhadores

Inaugurando o meu blog, este texto existe para explicar às pessoas de Salvador o que está acontecendo na USP, a partir da perspectiva de uma aluna.


Sobre a Reitoria da USP:
Para os que não sabem, o reitor da USP chama-se João Grandino Rodas. Apesar de ele não ter sido a pessoa eleita para assumir a reitoria da universidade, ele a assumiu por escolha arbitrária do governo, passando por cima de todo o processo de eleição democrática que havia sido feito (e que, convenhamos, já não é tão democrático assim).
Desde que assumiu a reitoria, há muita polêmica em torno do Rodas, por ele ser a favor de algumas medidas esquisitas para a gestão de uma universidade pública (como ser a favor da privatização de algumas coisas dentro da universidade).
Rodas está sendo processado pelo ministério público por crime de corrupção, e já foi considerado pela Faculdade de Direito da USP como 'persona non grata'. Há quem diga, mas não sei quanto à veracidade desses fatos, que ele estava envolvido com o fato de os torturadores de Zuzu Angel terem sido inocentados. Enfim, é este o reitor da maior universidade do país.

Sobre a PM no Campus:
No primeiro semestre desse ano, havia bastante mobilização contra o Rodas, mas aconteceu aquela tragédia na FEA, de um estudante ter sido morto durante uma tentativa de assalto no estacionamento da faculdade. Como medida de solução foi decretada a entrada da PM no campus para solucionar o problema de ausência de segurança da universidade. Isso foi decidido sem muita discussão e sem levar muito em conta a opinião dos alunos acerca da presença de policiais militares em um ambiente universitário.
Não vou negar que no início eu era a favor da PM sim. Eu volto para casa andando, as vezes lá para as 22/23h da noite, e dá muito medo. Eu tinha que escolher entre correr o risco de ir pelo caminho mais escuro que me levaria mais rápido ao ponto do circular, ou ir pelo caminho mais claro, porém mais longo e deserto. Colocando a PM no campus, eu tive a falsa impressão de que eu estaria mais segura ao voltar para casa nesses horários.
Mas ai eu comecei a reparar que eu não via tanta PM assim e que, quando via, era abordando os alunos de forma extremamente violenta.
Só para exemplificar: uma vez eu estava esperando o circular, e eu vi duas motos da PM aparecerem e abordarem um estudante, que estava em uma terceira moto, colocando dois revólveres – um de cada lado – na cabeça dele. Isso, para mim, é forma de abordar bandido/traficante/assassino. Ao meu ver, não é assim que se aborda um estudante que conseguiu entrar na melhor universidade da América Latina.
Na primeira semana de outubro, a vivência da minha faculdade foi arrombada e aparelhos eletrônicos do centro acadêmico e da atlética foram roubados (valores estimados em torno de 10 mil reais). Nessa hora eu me perguntei: onde está a PM que ia trazer segurança? Onde está a tão falada segurança da USP que eu vejo ser propagandeada?
Foi ai que eu comecei a me questionar... Será que o motivo de a PM entrar no campus é unicamente a segurança? Não duvido que o assassinato do menino na FEA tenha sido o fator propulsor do convênio com a polícia militar, mas comecei a achar que talvez o Rodas já quisesse a polícia aqui, para coagir os estudantes que estavam pedindo a sua retirada.
Um dos argumentos para a polícia estar aqui era que a cidade universitária era autônoma, porém não soberana, e não deixava de fazer parte da cidade de São Paulo. Se isso vale para a polícia no campus, porque não vale para a presença da sociedade no campus? Porque os moradores da São Remo – comunidade froteirissa à USP – ainda sofrem preconceito dentro da universidade? Porque é preciso mostrar carteirinha para entra no campus? Porque foi negada a construção de uma estação de metrô dentro da cidade universitária? Se é uma universidade pública, que ela seja pública, e que a sociedade possa desfrutar da USP de verdade, por ser tão dona daquilo ali quanto seus alunos.
Pergunto-me então: Para que PM? Para segurança? Porque não botar mais iluminação no campus? Porque não botar mais circular rodando? Porque não reforçar a guarda universitária? Será mesmo necessária a presença de um orgão como a polícia militar, que é treinada para abordar as pessoas de maneira violenta e truculenta, em um ambiente universitário? Será que é mesmo por segurança que ela está aqui?

Sobre as últimas semanas:
Na quinta-feira, 27/10, alunos foram presos no prédio da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), por estarem usando maconha. Isso gerou uma grande polêmica, alunos entraram em choque com a polícia militar, a mídia fez a festa. A discussão sobre a presença da polícia militar no Campus voltou a ser assunto em diversas faculdades da universidade.
Um grupo específico resolveu ocupar (e não 'invadir', como a mídia faz questão de falar) a reitoria. O motivo que os levou a fazer isso, vale frisar, não foi o incidente com os estudantes presos por usar maconha, este foi o estopim. O motivo era a retirada da polícia militar da cidade universitária. As pessoas que foram para lá não eram maconheiros gap-rayban sem causa, que queriam poder fumar sua maconha, eram pessoas que achavam que a presença da PM era opressora e que, portanto, lutavam por uma USP mais democrática.
Eu, particulamente, fui contra a ocupação da reitoria. Não por achar que os estudantes que estavam lá eram um bando de baderneiros, mas por achar que a atitude foi tomada de maneira radical, sem que toda a USP se mobilizasse, sem que a presença da PM no campus fosse discutida por toda a comunidade universitária, sem representar a vontade dos alunos da universidade.
Muitos ficaram achando que a ocupação da reitoria tinha relação direta com os usuários de maconha que foram presos, e que o que os ocupantes da reitoria reinvidicavam era poder usar drogas em paz, dentro da universidade. Se fosse isso os cartazes estampariam “LEGALIZAÇÃO JÁ!” e não “FORA PM DO CAMPUS”. Repito: o incidente do dia 27 foi o estopim, não o motivo.
Mas não foi essa a ideia que a mídia passou, e vem daí o meu principal motivo por eu ter sido contra a ocupação da reitoria: os alunos estavam dando à mídia mil e um argumentos para enfraquecer o movimento estudantil perante à sociedade. A discussão sobre a presença da polícia militar na universidade, sobre a presença da polícia militar na cidade de São Paulo, sobre a segurança do campus, sobre a postura de Rodas enquanto reitor da USP, todas essas discussões foram ofuscadas por uma mídia que reduziu o movimento estudantil a “estes são estudantes filhinhos de papai, maconheiros, que estão desperdiçando o dinheiro público e fazendo baderna”.

Sobre ontem:
Até ontem, 08/11, eu estava optando por não me envolver na mobilização estudantil, uma vez que eu achava que as coisas não deveriam ser feitas dessa forma, e que nós só estávamos piorando nossa imagem com a mídia, e perdendo o apoio da sociedade.
Ontem, eu tinha prova de Fundamentos da Economia às 8h. Virei a noite estudando, estava meio nervosa. Por conta disso, eu resolvi chegar às 7h para dar uma revisada, ficar tranquila e me acalmar para a avaliação. Quando eu chego na universidade, eu descubro que 400 políciais da tropa de choque, 50 viaturas, 30 membros da cavalaria, o esquadrão anti-bomba e até o COE (Comando de Operações Especiais) estavam lá para retirar os estudantes que haviam ocupado a reitoria (que não chegavam a 100 pessoas). Uma verdadeira operação de guerra, convenhamos.
Durante a desocupação, gás lacrimogênio foi jogado nos corredores do CRUSP (Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo), para impedir que os moradores saissem em defesa dos estudantes. Nessa, até a ala de maternidade – onde havia bebês e crianças – foi atingida.
A polícia invadiu o prédio da reitoria, destruiu e revirou os móveis – que, mais tarde, a mídia mostrou como vandalismo e depredação do patrimônio público praticados pelos estudantes – e prendeu 73 estudantes que estavam na ocupação.
Quais as acusações? Desobediência? Ok, eles deveriam ter desocupado o prédio e não fizeram isto, esta acusação faz sentido. Depredação do patrimônio público? Conversável. Não se sabe até que ponto foram os estudantes e até que ponto foi a PM que depredou o prédio da reitoria. Ainda que tenha sido a polícia, na hora da desocupação, os alunos pincharam algumas paredes, o que torna a acusação discutível. Agora eu me questiono o porquê de acusar estes 73 alunos de Formação de Quadrilha e Crime Ideológico. Isso me soa extremamente repressor e hediondo.
Até então, me sentia não envolvida com os acontecimentos. Mas eu não posso ver o que aconteceu nessa manhã e achar que não me diz respeito. Me senti tão violentada quanto os estudantes que foram presos de maneira arbitrária. Os estudantes estavam lutando pelo que eles acreditavam, e lutar não é crime. Unir-se para manifestar-se não é formar uma quadrilha, acreditar em algo diferente da reitoria não é cometer crime ideológico.
Eu escutei de uma jornalista portuguesa ontem, que estava emocionada e horrorizada com a péssima qualidade do jornalismo brasileiro, a seguinte frase “eu conhecia algumas pessoas que foram presas. Eles não eram bandidos, eles eram sonhadores”.
Eu escutei muita coisa chocante nesses últimos dias, mas nenhuma frase me tocou tanto. Ela me mostrou o quanto eu estava desacreditada de mudanças, o quanto eu esqueci o fato de que eu queria ser comprometida com o futuro e com a melhoria do meu país e, pior de tudo, o quanto eu estava acomodada com a situação.
Os estudantes que ocuparam a reitoria podem ter tido uma péssima ideia para manifestar a luta deles, mas eles não deixaram de manifestar. Eles não deixaram de tentar dar voz ao que eles acreditavam, eles não deixaram de sonhar com mudanças. E o que a reitoria fez? Coagiu. O que a mídia fez? Coagiu. O que a sociedade está fazendo? Coagindo. Porque será que, no Brasil, todo questionamento à ordem vigente, toda tentativa de mudanças sofre tanta repressália?
É muito dificil querer mudanças em um país, quando aqueles que querem fazer alguma coisa estão sendo reprimidos por todos os lados, estão sendo taxados de maconheiros e rebeldes sem causa, estão sendo presos por querer exercer seu direito à liberdade de expressão. O que eles disseram deve ter incomodado muito à reitoria da USP e ao governo de São Paulo, para que a opressão tenha sido feita dessa forma tão truculenta, com esse abuso de poder.
Se você fica bem em reclamar de como as coisas estão, sentado no seu computador ou em frente à sua televisão, por favor pare de recriminar aqueles que estão tentando reclamar de outras formas. Parem de chamar eles de maconheiros, baderneiros. Eles não estão sendo criminosos, eles estão sendo criminalizados. O Brasil precisa parar de cercear os seus sonhadores, porque o Brasil precisa de sonhadores se quer mudanças no seu futuro.
Por todos esses motivos, ontem, eu vesti a camisa. E não fui a única, vi muita gente tomando parte da luta. Mesmo sem ter dormido, por causa da prova, às 10h eu estava no ato em frente a reitoria, eu fiz a passeata até a frente do 91° dpto. da polícia militar. Eu voltei para a USP, participei da Assembléia da minha faculdade, participei da Assembléia dos estudantes da USP, cheguei em casa quase às 24h, com o corpo nunca antes tão exausto, mas com a mente nunca antes tão disposta.
Eu quero uma reitoria que foi eleita, eu quero uma segurança que realmente dê segurança aos alunos, eu quero a liberdade dos 73 estudantes, eu quero poder ter liberdade de expressão dentro da minha universidade, eu quero uma universidade mais democrática. E, principalmente, eu quero que o movimento pare de ser taxado como baderna de maconheiro por aqueles que desistiram de tentar fazer a diferença. Não somos bandidos, somos sonhadores. E até podemos ser veleitários, mas antes isso que acomodados.